Acabámos de fazer as nossas leituras e fui com o Panos a Grote Markt. É segunda-feira, não estava muita gente. Sentámo-nos na esplanada por causa dos cigarros. Os 6 graus fizeram com que não tivéssemos companhia lá fora (por algum tempo). As conversas com o Panos vão sempre parar em politiquices, anarquistas, revoluções atenienses, modos de estar e de ser no sul da Europa. Percebo que temos muitas coisas em comum, mas também, diferenças abissais e tento explicar-lhe, sem muito sucesso, o que é fazer parte de um povo de brandos costumes. Temos o Atlântico e é isso que nos faz ser assim. A Walkiria disse-me que comprou, em Bruxelas, um postal que explicava o que é ser europeu através de cartoons... e o português era um homem a olhar para o mar com se lhe estivesse a fazer continência. Somos assim. E isso faz-me ter sentimentos demasiado contraditórios em relação ao meu país. A nossa espera eterna seduz-me de morte: encontro nela um romantismo tão único, tão nosso, tanta canela e pôr-do-sol de mãos dadas a lavrar a terra... Mas depois esse romantismo confunde-se facilmente com perguicites, tretas e a mais enfadonha das banalidades. Precisávamos tanto de um outro abanão... desta vez, um que não fosse físico. Mas não estou disposto a começá-lo. Pelo menos por agora. Não sei onde me situo em relação a mim mesmo, à minha mãe-pátria... Mas percebo cada vez mais que sou daí. Também prefiro ir à procura do que encontrar. Ter é uma enorme chatice... mas viajar (ai, viajar!) é ter o nosso verdadeiro sangue. É ter toda a aventura e bel-prazer sem qualquer espécie de comprometimento, a não ser o comprometimento com a própria viagem. A nossa bravura embrulha uma cobardia que não se consegue esconder. Irrita-me reconhecer em mim tantas características do meu povo. Mas, ao mesmo tempo, conforta-me.
Estávamos a falar sobre teatro e a vinda do David a Haia, a meio de Abril, quando um rapaz de óculos, cabelo loiro pelos ombros, casaco de malha, nos pergunta se se pode sentar na nossa mesa. Olhámos em volta, estavam todas as outras vazias. Mas OK, tudo bem. Ele ficou ao lado do Panos e a mulher que vinha com ele, ao meu lado. No mínimo estranho... Continuámos a nossa conversa, embora um pouco constrangidos por aquela presença tão próxima. Falavam em inglês um com o outro. Como é óbvio tentei perceber qual era o assunto deles, mas era impossível continuar a seguir o que o Panos dizia e ouvir a conversa alheia, ao mesmo tempo.
Ao fim de cinco minutos, aquele despropósito tornou-se insustentável. E o rapaz, com uma enorme naturalidade, pergunta-nos sobre o que estávamos a falar. Ela: 'vá, de um a seis, como avaliam a vossa conversa?' ( -O Quê?)
Acontece todos os dias falarmos com estranhos... mas nunca assim. Repito: todas as outras mesas da esplanada estavam vazias e, de repente, tínhamos uma linda mulher a pedir-nos para avaliar-mos a nossa conversa numa escala de 1 a 6.
Ela tinha uns olhos perfeitamente verdes. E o cabelo escuro. Devia estar nos seus trintas, ele '10 anos mais novo, mas 10 vezes mais sábio'. A conversa que estava a ter com o Panos transforma-se, então, em duas conversas. Eu e ela, a Nicola, e ele e o rapaz, o norueguês. Ela era irlandesa e trabalhava no 'Tribunal Criminal' e ele estudava música no conservatório. Da situação no Terceiro Mundo, ao nosso cinismo de esplanada, terminando com algumas considerações sobre sadomasoquismo, senti que ela mudava de assunto em cada frase. Ele desistiu de falar pouco tempo depois de ter começado. Por azar (ou por sorte) o bar não tardou em fechar. Voltámos a Asstraat de bicicleta, a rir-nos à parva e a perguntar: quem eram aquelas pessoas?
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